Após quatro anos de um governo descrito por muitos como desastroso, após quatro anos de polêmicas e de ser motivo de vergonha internacional, o Brasil se deparou mais uma vez com as eleições presidenciais. O que, para alguns, pôde ser visto como uma ponta de esperança, para outros foi o resumo da mais pura tensão. O cenário foi tão polarizado quanto o de 2018, porém, com uma diferença: Bolsonaro, agora, esteve cara a cara com seu grande rival. Alguns anos atrás, a palavra “rival” não seria a melhor escolha para descrever um oponente na disputa presidencial. Contudo, todo o ambiente de antagonismo que foi sendo construído em torno das eleições de 2022 nos permitiu a ousadia de colocar os candidatos na posição de rivais.
Com a aproximação das eleições, os veículos de comunicação, como de praxe, passaram a ter o tema como estrela central de suas matérias. Aqui, nos propomos a analisar a cobertura de dois veículos: The Intercept Brasil e Poder360. Para isso, dividimos a pesquisa em dois momentos: o primeiro turno, dentro do período de 1 de agosto de 2022 até o dia 10 de setembro de 2022, com destaque para o dia 16 de agosto, quando foram liberadas as propagandas eleitorais pelo Tribunal Superior Eleitoral; o segundo turno, do dia 5 de outubro de 2022 até o dia 2 de novembro de 2022.
O PRIMEIRO TURNO
THE INTERCEPT BRASIL: muita promessa, pouca entrega
Dia 16 de agosto de 2022, o site do The Intercept Brasil ganhou uma nova editoria: “Eleições 2022”. Na data em que foi liberada a propaganda eleitoral, o veículo anunciou a sua própria campanha: um texto comprometendo-se a fazer “a cobertura mais corajosa e combativa das eleições de 2022”. A partir desta data, até 10 de setembro, foram publicadas 11 matérias exclusivas sobre as eleições presidenciais.
Antes do dia 16, foram veiculadas duas matérias que se relacionavam com o tema, mas não incluídas na editoria. Do dia 16 em diante, os conteúdos sobre política ganharam destaque. A maioria dos textos artigos de opinião, com pouco foco em esclarecer, de fato, os pormenores da eleição deste ano. Ao contrário, a editoria reduziu-se, apenas, em reverberar a disputa entre os dois candidatos mais notórios da vez: Lula e Bolsonaro.
Simone Tebet e Ciro Gomes tiveram um espaço quase insignificante. Na matéria “Lula, Ciro e Tebet querem apagar era Bolsonaro”, do dia 22 de agosto, os dois foram citados, mas o foco do texto continuou sendo o atual presidente. Ideia reforçada pela imagem que o acompanha.
Ciro Gomes ainda foi citado na publicação do dia 10 de setembro, intitulada “O triste fim de Ciro Gomes, rebaixado por si mesmo a cabo eleitoral de Bolsonaro”. Os demais concorrentes foram rebaixados ao grupo de acesso. Estas eleições contaram com 11 candidatos à presidência, dos quais, nove pareceram invisíveis aos olhos da mídia brasileira.
Das 11 matérias publicadas na editoria ‘Eleições 2022’, apenas duas não giraram em torno da disputa Lula X Bolsonaro. A corrida presidencial de 2018 foi marcada pela polarização e, apesar de ter sido altamente criticada nos últimos quatro anos, ela se repetiu e foi reforçada pelos meios de comunicação tanto hegemônicos quanto alternativos.
The Intercept Brasil adotou, durante o período analisado aqui, uma postura claramente parcial. O grande problema é que, neste primeiro momento, uma editoria que se comprometeu a ser combativa e, em um período de 25 dias, publicou apenas 11 matérias, das quais apenas 2 não dedicaram-se a Lula e Bolsonaro, nos pareceu um tanto quanto limitada demais.
Do conteúdo que estava fora da editoria, foram publicados 7 textos sobre o tema. Apesar da maioria continuar girando dentro do universo de Lula e Bolsonaro, estes foram textos com mais informações sobre as eleições de fato. Devemos, aqui, dar o devido destaque a duas publicações que emergem acima do mar de textos mornos: “Rejeição da elite à Lula tem origem na racialização do Nordeste”, de Fabiana Moraes, e “ ‘Álbum das Eleições’: as figurinhas que nos levaram à desgraça”, de Xico Sá.
Em “Rejeição da elite à Lula tem origem na racialização do Nordeste”, publicada em 9 de agosto, a jornalista Fabiana Moraes faz algo inédito para o The Intercept Brasil dentro do período analisado: criticar Lula. Ela traça uma grande contradição que ronda o ex-presidente da República, “Homem e branco, o candidato tanto faz parte dos grupos de maior poder quanto herda o preconceito histórico contra as pessoas desta região [nordeste].” Além disso, Fabiana traça, sem floreios, o caminho pelo qual o nordeste brasileiro forçadamente caminhou até chegar ao patamar de ‘terra de seca e pessoas desnutridas’. Portanto, ainda que a jornalista vá no contrafluxo do que o Intercept Brasil aponta, criticando Lula por sua fala no podcast “Mano a Mano”, conduzido pelo rapper Mano Brown, ela não deixa de explicar a particularidade que “ser nordestino” traz ao ex-presidente.
Já o texto “ ‘Álbum das Eleições’: as figurinhas que nos levaram à desgraça”, de Xico Sá, publicado em 2 de setembro, traz uma metáfora inteligente e sagaz. O jornalista utiliza fatos e pessoas que marcaram o governo Bolsonaro como figurinhas do que ele chama de “Álbum das Eleições” – alusão ao álbum de figurinhas da Copa do Mundo. “Tem cromo de Fabrício Queiroz, craque no saque na boca do caixa, do ex-juiz parcial, do coração em formol de Dom Pedro I e, claro, da mamadeira de piroca, figurinha repetida.” É o que diz a irônica propaganda que Xico faz no subtítulo da matéria. O leitor é conduzido pelo emocionante processo de abrir os pacotes. Qual será a próxima figurinha? Uma fácil como a do Queiroz, ou a figurinha rara do coração de Dom Pedro I?
Bom, o que nos interessa aqui é o seguinte: ainda que os dois textos citados acima tenham dançado no palco da disputa polarizada de 2022, eles conseguiram destacar-se por seus movimentos inesperados.
No dia 2 de outubro, data oficial das eleições, The Intercept Brasil não publicou absolutamente nada. Nem uma matéria, nem um texto de opinião. Nada. O silêncio do veículo traz consigo a pergunta: que cobertura combativa é esta que não aparece no dia mais importante de sua empreitada?
Nos dois dias seguintes, apenas duas matérias foram publicadas, uma em 3 de outubro e outra no dia 4 de outubro. Para nós, apenas interessa o texto do dia 3, onde o autor, Rafael Moro Martins, traz um panorama de como o Senado Federal está composto com maioria bolsonarista e como isso poderia possibilitar o impeachment de Ministros do STF, em um cenário de reeleição.
O saldo da cobertura do primeiro turno realizada pelo The Intercept Brasil não chega a ser negativo, mas também não é satisfatório. Com textos opinativos, não entregou a tal “cobertura combativa” que prometeram, mas conseguiram, ainda assim, entregar algo razoável para quem busca textos com menos números e mais análises da disputa de cores que tomou as ruas brasileiras: vermelho versus verde e amarelo.
PODER360: cobertura adaptada durante o final de agosto
A predileção pelo status quantitativo das publicações do veículo Poder360 foi uma constatação já feita antes pela nossa equipe. E, ao abordar as eleições de outubro deste ano, essa realidade não se mostrou menos aparente. Desde o início da análise, diversas matérias foram publicadas diariamente na editoria “Eleições” do Jornal, ainda que parte delas não manifestassem a essência qualitativa que se esperava no tratamento do assunto.
Com poucas matérias especiais, o mês de agosto apresentou uma cobertura que nasceu prematura, mas que foi se desenvolvendo até chegar em algo aceitável para a necessidade de informar sobre o tema. O cenário já era esperado, uma vez que o período de campanha eleitoral teria início apenas no dia 16 – meio do mês. O que preocupou, de fato, foi a demora para a virada no conteúdo da cobertura que, num primeiro momento, limitou-se a apresentar dados de pesquisas eleitorais, notícias sobre vida pessoal e acusações entre candidatos e pessoas próximas.
A estratégia de pautas noticiosas não é um problema para a cobertura de eventos como as eleições, desde que sejam imputadas a elas a devida seriedade e associação com o tema. Em “Janja e Michelle falam de religião e incendeiam campanha”, publicada no dia 9 de agosto, pôde-se observar que a matéria foi capaz de ser bem aproveitada e render ganchos para trabalhar as visões sobre a religião da campanha dos protagonistas da disputa. O recurso tornou-se um problema quando foi utilizado – não poucas vezes – para destacar matérias como “Janja abre Instagram com fotos de momentos íntimos com Lula”, publicada em 12 de agosto, e “Bolsonaro vai a torneio de jiu-jitsu e assiste jogo”, de 28 de agosto, referindo-se às ações do candidato à reeleição antes do 1º debate com candidatos à presidência.
A espera pela guinada que fizesse a cobertura focar nos candidatos e em seus planos de governo terminou apenas na semana do dia 22 de agosto, com a abertura da série de entrevistas dos candidatos à Presidência ao Jornal Nacional da Rede Globo. Acompanhando as definições do telejornal, o Poder360 optou por dar mais destaque aos candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). No entanto, apesar de Ciro e Tebet ocuparem uma posição de “alguma” visibilidade, o foco pairou deliberadamente sobre Lula e Bolsonaro durante a cobertura, deixando a terceira via sentada no banco.
Os demais candidatos tiveram pouca importância e/ou não encontraram espaço na editoria. Léo Péricles (UP), por exemplo, só apareceu em 6 de setembro, na matéria “Léo Péricles manifesta apoio ao piso nacional da enfermagem”, mas logo sumiu novamente e retornou apenas para ser citado na série “Assista os comerciais mais recentes dos candidatos à presidência”, publicada cinco vezes em setembro, que sequer veiculou seus vídeos de campanha.
Em uma disputa entre 11 pessoas sempre haverá os que receberão mais e menos atenção. É comum. Mas, apesar da situação ser esperada – principalmente em uma eleição, como já dito, tão polarizada como esta – isso não faz com que a necessidade por informações de candidatos mais ocultos na corrida presidencial se mostre menos importante. Inclusive, para um jornal que faz tantas publicações por dia, dar espaço para essas candidaturas poderia, provavelmente, ser uma forma de elevar a qualidade da cobertura.
Porém, o Poder360 optou por trazer melhorias para suas pautas de outras maneiras e em outros formatos. Durante a última semana de agosto e no mês de setembro, o veículo passou a mostrar um comprometimento maior com o tratamento do assunto. O texto “O que fica do debate eleitoral”, publicado no dia 30 de agosto, marcou o início de publicações que visavam trazer uma visão mais analítica e opinativa sobre o cenário da disputa presidencial.
A partir daqui, a eleição passou a obter mais destaque, mesmo que ainda tivesse que dividir o espaço com notícias pouco relacionadas com o evento. Matérias com informações sobre o plano de governo dos candidatos mais comentados, divulgação de seus vídeos de campanha e alerta sobre prazos e documentos necessários, como “prazo para pedir 2ª via do título de eleitor termina hoje”, de 22 de setembro, que buscaram informar eleitores, se tornaram foco. Além de textos que acompanharam a conjuntura do País e ganharam frequência durante o mês, como “Eleição tem Lula favorito, mas abstenção será decisiva…”, o qual projetou cenários para o dia 2 de outubro, e “Nada a temer com a eleição de Lula”, que esclareceu dúvidas e desmentiu fake News sobre o candidato do PT.
De maneira satisfatória, a cobertura do primeiro turno foi concluída com a live “Poder360 Eleições – análise e apuração do 1º turno”, que começou às 16h30 e acompanhou toda a apuração envolvendo a eleição. Com apresentação dos jornalistas Guilherme Waltenberg e Paulo Silva Pinto, trouxe informações sobre o dia do primeiro turno e analisou os momentos de destaque, as reações dos candidatos e do povo ao resultado. O desfecho ainda foi transformado em matéria na publicação “Leia os resultados do 1º turno de 2022 no “Poder360” com o conteúdo levantado durante a live, fazendo com que as informações chegassem também àqueles que preferem outros formatos.
Já a repercussão do evento se estendeu até meados de outubro, ficando a cargo de matérias especiais com análises do evento, combate à desinformação e projeções para o dia 30 de outubro. O artigo “Rumo ao 2º turno”, de Alon Feuerweker, publicado em 3 de outubro, foi o ponto de partida ao analisar o desempenho de Lula e Bolsonaro. Trouxe previsões sobre a distribuição de votos para o segundo turno, e foi seguido do texto “Urna eletrônica é fortaleza” do sistema eleitoral, diz observador”, com informações sobre segurança das urnas e os motivos para confiar no processo eleitoral. A análise dos acontecimentos de 2 de outubro perdurou até o dia 10 do mesmo mês, no texto “Pesquisas, mídia e desperdício de votos: as lições do 1º turno”, escrito pelo ex-deputado Eduardo Cunha.
Com essas alterações nas coberturas, o veículo fechou o primeiro turno com uma sensação de desenvolvimento para a postura informativa que já trazia em agosto, assumindo um compromisso analítico com o desenrolar deste período. Essa alteração foi capaz de enriquecer as pautas, trazendo um tom mais apropriado para as publicações e garantindo que o leitor pudesse se manter esclarecido sobre a situação do País e as possibilidades para o futuro.
O SEGUNDO TURNO
THE INTERCEPT BRASIL: Enfim, a promessa foi cumprida
Quando o assunto é segundo turno, a ‘coisa’ no The Intercept Brasil muda completamente de figura. Com todos os holofotes voltados para a grande batalha final, o veículo iniciou um verdadeiro intensivão. Vamos falar um pouco de números: no período analisado para o primeiro turno, a editoria especial ‘Eleições 2022’ contou com 11 textos, além dos artigos e matérias que envolviam o assunto – sete, no total -, mas que não entraram na editoria. Já para a segunda etapa de votação, a editoria especial contou com 19 textos, mais 10 que foram publicados fora dela. Sendo que, do dia 26 de outubro ao dia 30 de outubro – data oficial do segundo turno -, das 12 matérias publicadas, apenas uma não era sobre o universo das eleições.
Após a confirmação de que apenas um turno de votações não era suficiente para encerrar a disputa, os candidatos que não conquistaram seu lugar no segundo capítulo desta história precisaram se posicionar. A matéria “Entrevista: ‘A gente não tem opção, não é uma questão de escolha’, diz Simone Tebet sobre apoio a Lula”, do dia 16 de outubro,é importante, mas demonstra como, de fato, os outros candidatos foram esquecidos. É a única matéria que fala sobre o apoio de alguém que perdeu as eleições, a qualquer um dos candidatos. Nem mesmo o posicionamento de Ciro Gomes foi citado, o qual, bem ou mal, mantinha certo destaque por sua tentativa quase desesperada, e falha, de mostrar-se uma opção anti bolsonarista e antipetista.
Em meio ao caos que estava oficialmente instaurado no cotidiano brasileiro, Carla Jimenez nos entrega um exemplo de texto completo. No artigo “Faz gol, Lula!”, de 19 de outubro, ela traz dados numéricos e acontecimentos que contextualizam o cenário do segundo turno. “Não basta chamar Bolsonaro de mentiroso, é preciso dizer que é pecado acusar meninas refugiadas de serem prostitutas, usar o nome de Deus em vão para vender armas.” e “Lula precisa cair em 2022, sair de 2018, como se estivesse em regozijo por uma revanche que a vida lhe deu ao voltar a ser candidato a presidente” são trechos que ilustram muito bem como é possível criticar Bolsonaro e Lula, mantendo a opinião do veículo, e sem dar margem para que o discurso antidemocrático de Bolsonaro se crie.
Outros dois textos destacam-se na editoria, por narrarem momentos importantes – e, arriscamos dizer, decisivos – para o resultado que se seguiria. Primeiro, Roberto Jefferson ataca deliberadamente a Polícia Federal. Na matéria “Roberto Jefferson e Jair Bolsonaro são amigos há décadas – e se uniram para sabotar a eleição”, de 25 de outubro, Leonardo Rossatto descreve a longa amizade de Jefferson e Bolsonaro, e explica como o plano foi milimetricamente arquitetado – e como deu errado. Depois, no dia das eleições, a Polícia Rodoviária Federal contraria o veto de operações policiais relacionadas aos transportes públicos, dado pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Superior Tribunal Eleitoral. A matéria “Diante da possibilidade de derrota, Bolsonaro usa a PRF para tentar manipular a eleição”, publicada no dia 30 de outubro, mostra como o “governo usa instituições de estado para tentar atrapalhar votação em áreas pró-Lula.” O fato que não foi noticiado pelo The Intercept Brasil, e que faltou para completar o show de horrores, foi a confusão que a deputada bolsonarista Carla Zambelli causou ao tropeçar nos próprios pés e acusar um homem negro – que, diga-se de passagem, estava de costas para ela e mantinha certa distancia – de tê-la empurrado, começando, assim, uma perseguição armada pelas ruas de São Paulo.
Outro texto que merece atenção é “Sai discurso anticorrupção, entra o extremismo: eleitores do interior de SP explicam sua escolha por Bolsonaro”, de 29 de outubro. Aqui, Guilherme Maziero consegue uma proeza: mostrar as motivações dos eleitores de Bolsonaro, sem tornar isso uma propaganda política a favor do atual presidente. Para isso, Guilherme apresenta as falas e ideias de seus entrevistados e, quando parece apropriado, rebate os argumentos apresentados. Quando não é interessante contradizê-los, ele apenas deixa a justificativa lá como ela de fato é: confusa e sem muito contexto.
O The Intercept Brasil não é neutro, e nunca tentou parecer. Sempre demonstrou-se contrário ao bolsonarismo que invadiu as veias da política brasileira. Para o segundo turno, foram publicados artigos de opinião fora da editoria, que exemplificam bem o posicionamento político do veículo. Textos presentes nas colunas de Xico Sá e Fabiana Moraes são exemplos de como, ao Intercept, apenas a possibilidade de uma reeleição de Jair Bolsonaro já é suficiente para despertar um conhecido calafrio na espinha, causado pelo medo e pela ansiedade da concretização de seus maiores pesadelos. Para ilustrar o que estamos tentando dizer, vamos citar dois textos dos respectivos jornalistas.
Xico Sá escreveu, em 14 de outubro, o “dicionário de bizarrices da eleição dominada por demos e baphomets”, onde atualiza o “Dicionário do Diabo”, do jornalista Ambrose Bierce, que tem como ‘agente de satanás’ o atual mandatário. O texto é uma clara tentativa de mostrar como o diabo que Bolsonaro – e seus fiéis adoradores – tanto diz querer combater, encontra-se personificado em sua própria pessoa, com suas palavras ressignificadas e cruéis atitudes. Já Fabiana Moraes trouxe em suas palavras, no dia 25 de outubro, os desejos desesperados de quem ainda tem algum brilho de esperança no olhar: “Eu quero um presidente que saiba ser presidente do Brasil”.
Enfim, 31 de outubro de 2022, dia seguinte da acirrada disputa de votos que culminou no retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à cadeira de chefe do Poder Executivo Brasileiro. Em meio aos gritos de alegria dos vermelhos, e do audível som de choro em torno das velas e do caixão verde e amarelo, um silêncio se fez mais alto. Aquele que saiu derrotado das urnas não pronunciou uma palavra sequer. E continuou sem pronunciar nos dois dias seguintes. Quanto ao The Intercept Brasil, nos dias 31 de outubro, 1º e 2 de novembro, quatro textos foram publicados em seu site, dos quais, nenhum era sobre a vergonhosa falta de pronunciamento do ainda presidente Jair Messias Bolsonaro. A falta de, pelo menos, um texto falando sobre isso é incompreensível. Não há explicações para o veículo, que no segundo turno se mostrou propriamente combativo – assim como havia prometido -, seguir o mesmo silêncio sepulcral do vilão de suas histórias.
PODER360: Foco na briga entre Lula e Bolsonaro
O número menor de candidatos não alterou a quantidade de publicações do Poder360 no segundo turno, mas as mudanças feitas e a qualidade adquirida aos poucos fizeram com o que o começo da cobertura de outubro fosse diferente de agosto. Oferecendo mais espaço para dedicar àqueles que já eram o foco das pautas do primeiro turno, o veículo continuou a trazer informações sobre os pormenores do processo eleitoral – como prazos e informações sobre a anulação dos votos –, os passos dos candidatos à Presidência, suas campanhas e investiu com mais intensidade no que começou durante a cobertura do primeiro turno: análises conjunturais e projeções.
Dividindo espaço com a repercussão do primeiro turno, a discussão sobre o segundo turno teve início a partir de matérias opinativas como “A hora do programa econômico de lula”, publicada no dia 07 de outubro e escrita por José Paulo Kupfer. Analisando os resultados do dia 02 de outubro, o texto criticou a eleição dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, eleitos a Deputados Federais no Rio de Janeiro e em São Paulo, associando-os às suas gestões problemáticas no governo Bolsonaro. Mas proferiu, também, advertências à demora na divulgação do plano econômico do PT para o governo. Para Kupfer, propagar um plano de governo com medidas concretas ajudaria o candidato a fortalecer seu apoio e mostrar comprometimento fiscal com o futuro da recuperação econômica.
Ao contrário do primeiro turno, onde a disputa entre os candidatos no Poder360 foi firmada a partir de questões morais e religiosas, no segundo a economia foi o carro chefe nas pautas sobre a briga política. A análise de Paulo Silva Pinto sobre o cenário econômico do mês, intitulada “Melhora da economia deve ajudar Bolsonaro no segundo turno…” previu, inclusive, uma melhora no percentual do atual presidente na votação do dia 30. O texto dizia ainda que Bolsonaro estava “em uma situação que lhe permite se apresentar como alguém que proporcionará uma lenta e progressiva prosperidade.”
Os textos de análise fizeram toda diferença para a cobertura que adquiriu um tom bem mais opinativo em outubro, mas a série “Porque voto em…” que foi publicada a cada semana durante o mês e trazia a fala de eleitores dos dois candidatos e suas motivações para a escolha eleitoral também teve grande destaque e deu a sensação de imparcialidade na cobertura, algo que dificilmente foi encontrado no primeiro turno.
Ainda assim, o tom informativo não foi perdido. Reportagens noticiando informações sobre acontecimentos durante as campanhas continuaram a ser frequentes, como em “Se reeleito, Bolsonaro diz que aprovará redução de maioridade penal” e “CPX em boné de lula não tem ligação com facção criminosa”.
Outras reportagens ainda foram fundamentais para manter a cobertura na crescente observada no primeiro turno. A reportagem “Campanhas de Lula e Bolsonaro resistem em baixar o tom” teve destaque por utilizar recursos multimídia para informar sobre o tom da disputa e os ataques proferidos pelos presidenciáveis. Com uma playlist que inclui todos os vídeos de campanha dos presidenciáveis, a publicação elevou a cobertura do assunto ao garantir que todas as informações necessárias para entender a pauta estivessem disponíveis para o leitor. O recurso foi observado, também, nas reportagens de análise de intenção de voto, como em “ A 7 dias da eleição vantagem de lula varia de 37 a 16 pontos” e “Só alta abstenção não reverteria vantagem de lula no 2º turno” que contavam com infográficos detalhados para informar o assunto.
A cobertura do segundo turno no Poder360 terminou bem parecida com a do primeiro, com uma live de análise do dia de eleição, intitulada “Ao vivo: Poder360 faz live com apuração e análises do 2º turno”, e o desenvolvimento da repercussão do dia. A finalização do período evidenciou que, apesar da melhora ter sido clara no decorrer do primeiro turno, a cobertura de outubro se mostrou superior e bem mais próxima do que pode ser considerado ideal. As diferenças observadas na utilização de recursos e no tratamento de questões como espaço para os candidatos fizeram com que as publicações atingissem o potencial esperado desde do início, com análises, informações e críticas que elucidaram o assunto.
CONCLUSÃO
A eleição presidencial de 2022 foi considerada, por muitos especialistas, como a mais importante desde a redemocratização do Brasil, em 1985. A mídia brasileira já estava preparada para o cenário que precisou enfrentar. Isso fez com que, de uma forma ou de outra, delegasse as posições de maior destaque a Lula e Bolsonaro. O destino estava traçado. Não poderia ser evitado. E a cobertura do The Intercept Brasil, principalmente no segundo turno, evidenciou essa posição ao tratar o bolsonarismo de maneira combativa. Já o Poder360 optou por manter uma postura diferente. Durante o segundo turno, traçando críticas e dando espaço para os dois lados, o veículo conseguiu ser mais “imparcial”.
Por Débora Santos, e Mariana Rodrigues, sob a orientação da professora Ivana Barreto.