Já é consenso entre os profissionais que se dedicam ao jornalismo político a peculiaridade da cobertura de uma posse presidencial. Toda a liturgia que envolve esse tipo de evento mobiliza de maneira diferente os jornalistas dessa área. E, o fato do Brasil ter vívido quatro anos de extrema polarização, de discursos de ódio, disseminação de fake news e ataques de todo tipo às instituições que são pilares da nossa democracia, fez com que a passagem de bastão do dia 1o fosse mais peculiar ainda.
Aqui, analiso brevemente a cobertura da mídia TV, especificamente da GloboNews, canal por assinatura que transmite uma programação jornalística durante as 24 horas do dia, fundado em 1996. A escolha se deve a dois aspectos: tempo dedicado ao evento da posse; conteúdo noticioso aprofundado com comentários e análises apurados no que se costuma chamar “bastidores da notícia”.
Desde as 7h, em seus jornais, o canal do Grupo Globo noticiou os últimos fatos envolvendo a cerimônia que começou, de fato, às 14h30, com a chegada do presidente Luís Ignácio Lula da Silva, acompanhado da primeira-dama Janja, e de seu vice Geraldo Alckmin, na companhia de Dona Lu, para desfile em carro aberto até o Congresso Nacional.
Cumpre ressaltar que foram cerca de 14 horas no ar com conteúdo, tanto dos profissionais que estavam no estúdio quanto daqueles localizados em vários pontos onde ocorriam eventos ligados à posse. Depois do término da cobertura em si, o canal incluiu em sua grade a “Central das Eleições”, programa que acontece desde a campanha eleitoral de 2022. Considerando apenas o período entre 12h35 e 19h52, quando a GloboNews disponibilizou para seus assinantes a denominada “Cobertura Especial Posse de Lula”, foram mais de 7 horas de cobertura.
Logo no início, a comentarista Flávia Oliveira lembrou da simbologia da cor vermelha, ressaltando: “muita gente de vermelho, uma cor que foi criminalizada pelo governo Bolsonaro”. Antes, no “Jornal GloboNews ao Vivo”, ela própria havia
destacado que nós, brasileiros, “passamos quatro anos com um presidente correndo de uma ema com uma caixa de remédio nas mãos”, referência à postura negacionista do ex-presidente em relação à vacina para Covid 19.
Apenas com o propósito de estabelecer um brevíssimo paralelo com outra cobertura da posse presidencial, observou- se também o enfoque dado pela Jovem Pan News. Com linha editorial, expressa durante os últimos quatro anos, claramente a favor do governo Bolsonaro, um dos destaques foi dado a uma suspeita de bomba na Estação108 Sul do metrô de Brasília. Além disso, um dos comentaristas afirmou que apoiadores do presidente Lula reclamavam da desorganização e segurança no evento. Paradoxalmente, as imagens mostravam pessoas vestidas de vermelho, descontraídas e cantando músicas de apoio ao novo governo.
Esse pequeno paralelo só reforça a certeza, que tanto fazemos questão de transmitir para nossos alunos de jornalismo, de que o exercício da profissão está longe da imparcialidade, mas atrelado a aspectos políticos e econômicos.
Retornando à análise da GloboNews, merecem destaque dois momentos. Primeiro, o da tão polêmica passagem da faixa presidencial. Ficou visível a emoção dos comentaristas e repórteres e a TV, por suas características, como nenhuma outra mídia, pôde mostrar essa emoção, assim como a dos cerca de 300 mil brasileiros presentes ao evento. No que se refere aos jornalistas, a emoção também veio à tona – não atrapalhando a cobertura – devido à relação extremamente conturbada estabelecida com o ex-presidente, que preferiu usar suas redes sociais para comentar sobre sua gestão, além de ter se negado, praticamente durante todo
seu mandato, a conceder entrevistas a profissionais de várias emissoras, como foi o caso da GloboNews.
O segundo momento a ser destacado foi o da posse dos 37 ministros, quando os comentaristas demonstraram muita agilidade ao apresentarem para os assinantes um breve currículo de cada um. Convém lembrar que foi bastante curto o tempo entre o anúncio dos nomes e a posse efetiva dos ministros.
Segundo Diego Messias, sociólogo e pesquisador em Comunicação, “os últimos 22 anos (2000 / 2022), representaram mudanças significativas de como encaramos agora as “mídias tradicionais” (rádio, TV, jornais e revistas), frente as “novas mídias” (redes sociais e streaming), uma revolução da linguagem que pulverizou não apenas a audiência, mas o mercado publicitário como um todo. Contudo, nesses últimos 22 anos, a TV soube se adaptar aos desafios trazidos pelas novas mídias. E, vale ressaltar, se por um lado a mídia digital transmite o que se convencionou chamar informação em “tempo real”, por outro, a TV continua com sua peculiaridade de reunir imagem, som, cor e movimento. Além disso, por trabalhar bem como o lado direito do cérebro do telespectador, acaba por estimulá- lo emocionalmente. Afinal, não resta a menor dúvida de que, quando deseja acompanhar eventos de grande relevância, o telespectador está ali, de frente para a telinha.
* Ivana Barreto é jornalista, professora do Curso de Jornalismo da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e coordenadora do
projeto de extensão “Observatório de Mídia da UFRRJ.