Uma das maiores questões da sociedade brasileira é o grande número de menores de dezoito anos envolvidos em atos infracionais, principalmente nas grandes cidades. De acordo com a Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, realizada em 2018, mais de 117 mil adolescentes cumprem medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Outro levantamento da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) diz que em 2021 eram mais de 37 mil menores infratores em regime de internação, internação provisória e semiliberdade no país. Apesar da vulnerabilidade socioeconômica, educacional e cultural característica dos bastidores da violência enraizada, que cria essa realidade, na maioria das vezes, esses jovens, normalmente invisíveis para o Estado e a sociedade, recebem protagonismo apenas quando estão em conflito com a lei.
A Universidade Federal Fluminense (UFF) publicou este ano uma pesquisa que investigou a desproteção social vivida por jovens infratores. O estudo “Trajetórias de vida e escolar de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social acusados de cometimento de ato infracional” conclui que os menores de idade que cometeram atos infracionais são os sujeitos mais vulneráveis socialmente no Brasil: são homens jovens, negros, pobres, pouco escolarizados e que começaram a trabalhar muito cedo. O diagnóstico também revela que somente os pretos e pobres vão para o sistema socioeducativo, enquanto os outros são liberados, fato que escancara a desigualdade e seletividade do sistema de justiça criminal.
E como esse tema é encarado pela imprensa? É muito comum que veículos noticiosos publiquem o tempo inteiro matérias sobre meninos que não atingiram a maioridade sendo pegos cometendo algum ato ilícito, seja por tráfico de drogas, furto, estupro, homicídio etc. O problema começa justamente quando os autores da violência só ganham visibilidade diante desses flagrantes, sendo ignorado todo o contexto intrínseco à essas ocorrências. Esse comportamento mostra que a mídia é tão seletiva quanto o sistema judiciário e tão negligente quanto o Estado ao não se preocupar com a realidade na qual tais cidadãos estão inseridos e as causas que os levaram a cometer infrações. A mídia, portanto, contribui para a construção da imagem do menor infrator apenas como uma figura delinquente e potencial inimiga da sociedade.
“A sociedade costuma enxergar o adolescente que pratica o ilícito como uma pessoa ruim, violenta, que nasceu para o crime. Mas, na verdade, esse adolescente já estava inserido em um contexto de violência antes do ato infracional, e essa violência afeta a vida dele completamente”, afirmou Cibelle Bueno, gerente de projetos da ONG Visão Mundial e uma das autoras do relatório lançado em 14 de dezembro de 2021, que sondou o histórico de adolescentes infratores no Brasil e concluiu a presença de violência da família, escola, polícias e facções.
Existe uma lógica hegemônica de valor social que seleciona e exclui certos indivíduos – os mais frágeis – e os torna imperceptíveis na sociedade. O poder de influência dos meios de comunicação modernos, que deveriam resgatar tais jovens dessa invisibilidade, é acionado de maneira contraditória. A TV e a Internet diariamente repercutem a mensagem do senso comum, carregada de preconceitos e repressão. Esse processo produz estereótipos do menor delituoso merecedor de punição.
É importante observar que quando os canais de informação rotulam determinado grupo com base em discursos discriminatórios, a sociedade passa a ser ainda mais seletiva com ele. E, pior, sem se importar com a criança que está na rua e quais as chances dela ser devorada pela cultura do crime. Criança que vai sendo distanciada do convívio social e cada vez mais separada da ideia de humanidade, passível de direitos e cuidados.
Desse modo, quando a mídia não propõe uma investigação justa de tais questões que afetam a sociedade, permanece apenas o pânico e a necessidade de mais penalidade. Ela se torna propaganda do medo e da estigmatização, criando no imaginário popular que os jovens negros e pobres nascem e morrem bandidos. A falha está em tratá-los o tempo todo como se não existissem, ignorados. Então, quando a infração acontece, finalmente são percebidos pelo Estado e a sociedade como criminosos.
Por Victória da Silva, sob orientação da professora Ivana Barreto.